O REI VAI NÚ…!
(A propósito do ranking das escolas)
Foi publicado no dia 13 de Outubro de 2012, pelo Jornal “O Público”, o ranking das escolas. Este ano há uma novidade nesta famosa listagem que, ano após ano, anima uns, entristece outros e diverte alguns. Desta feita, os resultados obtidos nos exames podem ser interpretados à luz de alguns factores socioeconómicos, introduzidos pelo estudo efectuado pela Universidade Católica, e que caracterizam o contexto económico, social e cultural em que cada escola, e os seus alunos, estão inseridos.
Esta é uma grande novidade na forma de elaborar o ranking, merecendo louvor tal iniciativa, pois é a primeira vez que tal acontece, dando a impressão de que na comunicação social alguém começou a interessar-se verdadeiramente em compreender o que é uma escola, como funciona e quais são as circunstâncias que a determinam. Alguém percebeu, finalmente que a escola não pode ser entendida como uma peça isolada do puzzle, como uma ilha, tal como já foi apodada. Antes, pelo contrário, a escola é esse lugar onde se desenvolvem e reflectem as dinâmicas sociais, onde se esbatem, ou se acentuam, as diferenças de classes, o iceberg que todos constatam mas poucos conseguem avaliar e justificar.
Os factores em questão remetem para o número de anos de escolaridade que apresentam os pais desses alunos, assim como a percentagem de pais que desempenham profissões incluídas nos 3 primeiros grupos de maior qualificação profissional e de estatuto social mais elevado. É também considerada a percentagem de alunos que beneficiam do escalão A da assistência social escolar.
Ou seja, a Universidade Católica, pretende com este estudo apontar alguma relação evidente entre o nível socioeconómico em que vivem as famílias e os resultados obtidos pelos seus filhos nos estudos.
É um enorme contributo para que possa ser feita uma análise mais séria e mais isenta e que, esperemos, venha trazer uma maior inteligibilidade e um acréscimo de sentido a estes números, os quais, por si só, apenas traduzem os efeitos e nunca as causas que os provocam.
Apresentam-se de seguida alguns quadros que espelham os resultados obtidos a nível nacional, evidenciando também alguns dos resultados distritais, fazendo uma amostragem que vai desde os primeiros lugares até aos últimos da tabela.
6º ano 772ª posição num total nacional de 1144 escolas |
Nº de exames |
Média nos exames |
Lugar no ranking |
Anos de escolaridade dos pais |
Profissões dos pais |
% de alunos Escalão A |
Lisboa - Pedro Nunes |
18 |
3,72 |
51 |
13,66 |
75,37 |
5,94 |
Coimbra - Martim de Freitas |
192 |
3,58 |
86 |
12,42 |
55,57 |
16,14 |
Manteigas |
22 |
3,55 |
99 |
8,31 |
22,27 |
30,15 |
Coimbra - Dr.ª Maria Alice Gouveia |
162 |
3,54 |
102 |
12,63 |
52,01 |
16,55 |
Guarda - Carolina Beatriz Ângelo |
59 |
3,42 |
146 |
8,37 |
12,25 |
26,99 |
Seia – Guilherme Correia de Carvalho |
80 |
3,39 |
166 |
9,69 |
32,02 |
22,09 |
Trancoso - EB |
69 |
3,35 |
193 |
8,24 |
14,79 |
34,70 |
Aguiar da Beira |
48 |
3,08 |
516 |
6,87 |
14,68 |
35,18 |
Gouveia |
84 |
3,04 |
616 |
8,25 |
19,76 |
33,22 |
Foz Côa |
62 |
3,03 |
621 |
7,46 |
14,51 |
44,86 |
Figueira de Castelo Rodrigo |
39 |
2,95 |
772 |
7,18 |
15,94 |
43,66 |
Gouveia - Vila Nova de Tázem |
36 |
2,92 |
817 |
8,25 |
19,76 |
33,22 |
Trancoso - Vila Franca das Naves |
21 |
2,86 |
910 |
8,24 |
14,79 |
34,70 |
Moura -Amareleja |
42 |
2,67 |
1108 |
6,09 |
7,52 |
48,73 |
Lisboa – Alto do Lumiar |
102 |
2,21 |
1131 |
6,71 |
2,86 |
56,79 |
9º ano 723ª posição num total nacional de 1320 escolas |
Nº de exames |
Média nos exames |
Lugar no ranking |
Anos de escolaridade dos pais |
Profissões dos pais |
% de alunos Escalão A |
Coimbra – Sec. José Falcão |
169 |
3.64 |
53 |
14,44 |
66,43 |
7,36 |
Guarda - Afonso de Albuquerque |
225 |
3,44 |
101 |
11,07 |
42,69 |
13,19 |
Coimbra – Infanta D. Maria |
150 |
3,42 |
104 |
14,70 |
74,27 |
3,70 |
Guarda - Sé |
214 |
3,40 |
107 |
10,53 |
33,33 |
10,61 |
Coimbra – Sec. Quinta das Flores |
185 |
3,23 |
184 |
11,79 |
48,72 |
7,40 |
Seia – Guilherme Correia de Carvalho |
130 |
3,10 |
271 |
9,69 |
32,02 |
22,09 |
Vila Nova de Tázem |
30 |
2,87 |
539 |
8,25 |
19,76 |
33,22 |
Figueira de Castelo Rodrigo |
50 |
2,76 |
723 |
7,18 |
15,94 |
43,66 |
Trancoso |
46 |
2,74 |
759 |
8,24 |
14,79 |
34,70 |
Aguiar da Beira |
78 |
2,65 |
903 |
6,87 |
14,68 |
35,18 |
Almeida |
50 |
2,62 |
948 |
8,55 |
17,69 |
32,28 |
Gouveia |
144 |
2,59 |
987 |
8,25 |
19,76 |
33,22 |
Foz Côa |
128 |
2,34 |
1224 |
7,46 |
14,51 |
44,86 |
Guarda – Santa Clara |
64 |
1,98 |
1308 |
11,44 |
38,30 |
13,14 |
Secundário 585ª posição num total nacional de 608 escolas |
Nº de exames |
Média nos exames |
Lugar no ranking |
Anos de escolaridade dos pais |
Profissões dos pais |
% de alunos Escalão A |
Coimbra – Infanta D. Maria |
644 |
12,48 |
26 |
14,70 |
74,27 |
3,70 |
Lisboa – Sec. José Gomes Ferreira |
620 |
12,07 |
33 |
13,84 |
73,85 |
3,33 |
Lisboa – Pedro Nunes |
598 |
11,30 |
62 |
13,66 |
75,37 |
5,94 |
Sabugal |
114 |
10,77 |
114 |
7,72 |
12,50 |
20,50 |
Guarda - Afonso de Albuquerque |
465 |
10,31 |
178 |
11,07 |
42,69 |
13,19 |
Foz-Côa |
99 |
9,78 |
295 |
7,46 |
14,51 |
44,86 |
Seia - Dr. Abranches Ferrão |
352 |
9,73 |
309 |
7,68 |
9,84 |
18,58 |
Guarda - Sé |
462 |
9,23 |
412 |
10,53 |
33,33 |
10,61 |
Mêda |
83 |
9,09 |
445 |
7,13 |
16,62 |
28,89 |
Manteigas |
89 |
8,87 |
484 |
8,31 |
22,27 |
30,15 |
Pinhel |
114 |
8,87 |
485 |
7,95 |
17,93 |
22,48 |
Trancoso |
224 |
8,49 |
539 |
8,24 |
14,79 |
34,70 |
Gouveia |
199 |
8,39 |
551 |
8,25 |
19,76 |
33,22 |
Almeida - Vilar Formoso |
46 |
7,87 |
575 |
8,55 |
17,69 |
32,28 |
Figueira de Castelo Rodrigo |
72 |
7,71 |
585 |
7,18 |
15,94 |
43,66 |
Almeida |
68 |
6,98 |
603 |
8,55 |
17,69 |
32,28 |
A questão do insucesso escolar e dos maus resultados obtidos nos exames é um tema debatido por tudo e por todos. Pelos mais informados e pelos distraídos, pelos técnicos especializados e pelos leigos na matéria e até mesmo pelos que não sabem o que dizem nem do que falam. Nas publicações da especialidade, nos meios de comunicação social, em blogs, no Tweeter, no Facebook…! É um fartar vilanagem de palpites e teorias defensivas como se de uma partida de futebol se tratasse. Para aumentar a confusão, o insucesso escolar tende a ser analisado por diferentes prismas: para uns a falta de bases, de motivação ou de capacidades dos alunos; para outros a escola e os professores terão a responsabilidade (faltas, desmotivação, insuficiente formação, incompetência na direcção da escola).
Dada a complexidade do tema a discussão precisa ser sustentada por informação objectiva e fidedigna e deve ser levada a cabo noutras instâncias, mais idóneas e verdadeiramente interessadas em resolver o problema.
A escola tem estado associada à ideia de preparar as camadas mais jovens para a vida, pressupondo que todo o indivíduo tem igual acesso à informação, máxima consolidada na expressão “escolaridade obrigatória até ao 12º ano”, a qual não deixa de ser fruto de uma determinada doutrina sociopolítica, pois a escola é incapaz de modificar a estrutura social.
Apesar disso, a escola é chamada a desempenhar o papel de uma verdadeira força de intervenção. Num esforço quase nunca reconhecido nem recompensado, a escola vai desenvolvendo esforços e investindo recursos na solução dos grandes problemas que afectam os seus alunos. A sua actuação vai muito para além do que é estritamente curricular e académico: na vida social, económica, emotiva e afectiva dos seus alunos. A escola substitui-se à Segurança Social, à Saúde, ao Ministério do Trabalho, ao IEFP, à Polícia e GNR, para mencionar alguns.
O desinvestimento e o abandono ideológico a que o Estado, os sucessivos governos e os municípios, votaram a educação pública provocaram um deficit muito mais profundo, muito mais difícil e de longa recuperação que o da dívida pública: o deficit de cidadania!
A transmissão de competências o ensino público do Ministério da Educação para as Câmaras Municipais em nada ajudou. Foi um erro de palmatória. Transformaram o ensino público no parente pobre do orçamento de estado. Ao mesmo tempo que se financiava escandalosamente o ensino privado.
O ensino público e a escola pública chegaram assim àquilo que hoje verdadeiramente fazem: transformaram-se na “polícia de choque” da moral e dos costumes.
Não temos a solução, nem sequer uma explicação definitiva. Contudo deixo ao leitor a oportunidade de algum exercício de interpretação:
- Como explicar que no 9º ano 65,52% das escolas do distrito apresentem médias negativas?
- Como explicar que no Secundário 87,5% das escolas do distrito apresentem médias negativas?
- Se grande parte desta percentagem se situa nas classes mais baixas, podemos ignorar a relação entre origem social e sucesso escolar?
- Dada a aleatoriedade e a complexidade que representa a situação de exame, como explicar que nas escolas que ocupam os primeiros lugares do ranking a média dos exames seja sempre superior à média interna?
- Como se explica o resultado da escola Stª Clara – Guarda (e comparando com o excelente resultado da Afonso de Albuquerque), que ficou remetida para os últimos 12 lugares da tabela do 9º ano, quando esta escola se insere num dos melhores contextos sócio económicos do distrito?
- Como explicar que em Figueira de Castelo Rodrigo, sendo o mesmo contexto social, a mesma escola, os mesmos professores, os mesmos operacionais, os resultados do básico sejam tão diferentes do secundário?
- Como explicar que quase metade dos alunos do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo beneficiem do escalão A da assistência social escolar?
- Como explicar que alunos deste concelho decidam frequentar escolas de concelhos vizinhos, quando essas escolas apresentam piores resultados que as nossas?
- Porque é que o número de alunos do 3º ciclo e secundário tem vindo a diminuir, à razão de 10 alunos por ano, desde 1987 até 2012?
O Director
(José Manuel Maia Lopes)